quarta-feira, 18 de julho de 2012

De Olhos bem Fechados - O Voyeur em cada um de Nós


                                              


    É hoje um dado adquirido que os filmes do realizador Stanley Kubrick (1928-1999), foram feitos não para a altura em que ele os realizou, mas sim para serem entendidos muito depois da altura em que apareceram. 
   A sua obra nunca foi de modas e muitos dos seus filmes ou apareciam muito á frente  da sua época ("200:Odisseia no Espaço" ou "A Laranja Mecânica", só para citar duas das suas obras-primas), ou surgiam quando os temas já estavam fora de moda ("Nascido para Matar", sobre a guerra do Vietnam ou "Barry Lyndon", sumptuosa superprodução e ainda hoje um dos filmes mais incompreendidos do realizador) e, não raro, suscitavam discussões acaloradas sobre o que se acabara de ver. 
   Com "Eyes Wide Shut - De Olhos bem Fechados", manteve-se esta tradição naquele que será talvez o filme mais enigmático do realizador, principalmente em relação ao final, que dos mais desconcertantes da obra do realizador. A última frase, que Alice Hartford pronuncia com a palavra F.... bem audível, nunca tinha sido dita daquela maneira tão brusca e ao mesmo tempo tão convincente
   William Harford, médico de Nova York, parte numa odisseia nocturna de busca e consolo sexual, depois da sua esposa admitir que teve um sonho erótico em que o atraiçoava com um desconhecido.
  "De Olhos bem Fechados" passa-se em pouco mais de uma noite e um dia e acompanhamos a odisseia de um homem afectado pela confissão de quem ele menos esperava. É o desejo de esquecer, de fazer pagar na mesma moeda, de quem fica abalado por aquilo que ouviu, que o leva a vaguear por uma Nova York invernal, cheia de tentações, mas também perigosa.
  O filme tem também um pouco de voyeurismo (tão ao gosto de Kubrick!) principalmente a partir do momento em Bill Harford toma conhecimento, através do seu amigo Nick Nightingale, das festas privadas onde todas as pessoas estão mascaradas e prácticam sexo. Ao acompanharmos Bill, tornamo-nos cúmplices dele e, por acréscimo, de Kubrik.
   Não é qualquer actor ou actriz que suspende a sua actividade por mais de um ano para se dedicar única e exclusivamente a um só projecto. Eles fizeram-no e ganharam a aposta.Tom Cruise e Nicole Kidman têm aqui desempenhos acima da média. Kubrik explora as suas potencialidades ao máximo: é nítido o gosto com que o realizador filma Nicole Kidman/Alice, mostrando toda a sua sensualidade, mesmo num registo algo secundário, assim como o Bill de Cruise consegue fazer-nos esquecer outras personagens interpretadas pelo actor  e mostrar que, quando quer,até consegue convencer e mostrar que tem talento,  e o filme ganha com isso.
     O empenho dos actores foi tal que as suas carreiras ganharam novos fôlegos. Salienta-se também a prestação excepcional, embora secundária, de Sydney Pollack, num papel especialmente criado para ele, já que tal personagem não existe no romance original e surge aqui como representando uma certa sociedade, uma certa riqueza e um prestígio a que Bill Hartford anseia pertencer mas que não consegue alcançar como Ziegler lhe explica perto do final e ficamos com a ideia de que Kubrick criou aquela personagem para representar o pior de Bill e, num sentido mais lato, o pior de cada um de nós.   
   Stanley Kubrick baseia o seu filme no livro de Arthur Schnitzer "Traumnovelle", escrito em 1926, cuja acção se situa no início da década de 20 em Viena de Austria, mas que o realizador actualizou para a Nova York da década de 90.  Este era um projecto hà muito tempo acarinhado pelo realizador. O seu perfeccionismo é, como em toda a sua obra, obsessivo, genial mesmo.
  
O uso da cor nas suas formas primárias, cada uma com o seu simbolismo, é simplesmente espectacular: o vermelho representa a tentação e o sexo; o amarelo significa traição; o azul simboliza medo e ao mesmo tempo perigo. A fotografia notável é um constante desafio, é a própria cidade, através da lente do realizador,  do ritmo lento, as figuras cuidadosamente compostas e os movimentos deslizantes da câmara que nos convidam a entrar em cena. O próprio realizador, na sua breve aparição (quando Bill conversa com Nick no café Sonata, um dos elementos do casal que se encontra lá é Stanley Kubrick) estende-nos esse convite. 
   O filme atinge o seu ponto máximo na cena iniciática e na orgia sexual que se lhe segue. De certa maneira, os rostos ocultos por detrás das máscaras podem, ou não simbolizar as máscaras que todos usamos na Sociedade ou pode ser também  uma imagem  simbólica, como se fosse um espelho, mais negra, da  fachada de Victor Ziegler, em oposição à festa de natal que acontece no início do filme. Uma vez mais, Kubrick nada nos diz, deixa ao critério de cada um o que pensar e apenas nos aponta um caminho: seguir em frente.  
  O seu (nosso) voyeurismo é intenso e não se consegue desviar o olhar. A câmara de Kubrik passeia-se pelos corredores da mansão e provoca-nos de tal maneira que, no final, tal como Bill Harford, estamos prontos a sofrer as consequências do seu (nosso) acto. Verdadeiramente genial e sublime o trabalho de realização.
    Estreado em 1999, meses depois da morte do realizador, “De Olhos bem Fechados” não ficou isento de alguma polémica em relação à carga sexual que emana, levando a que, nos Estados Unidos, fossem cortados alguns minutos à cena orgiática e no Canadá a cena foi remontada para, em ambos os países, evitar uma classificação de “X”, aplicada aos filmes  pornográficos. Apenas na Europa, na Austrália e na América do Sul é que o filme estreou sem qualquer corte ou remontagem, mantendo intacta a cena.
   Filme-testamento de um realizador que, com a sua breve obra escreveu inúmeras páginas na história da sétima arte e elevou o cinema a patamares nunca antes alcançados.
Inesquecível!

Nota: As imagens e vídeos que ilustram este texto foram retiradas da Internet

1 comentário:

  1. É por essas e por outras que Kubrik será visto para a História como um génio. E a sua última obra, ao invés de o mostrar em declínio, dá-nos mais alguns vislumbres dessa genialidade. Por isso, acho o teu subtítulo muito bem consguido, porque resume muito bem o que é este filme enigmático e que nem sempre foi de fácil compreensão. Um abraço.

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