O Tempo passa sem parar, como um rio que corre em direcção ao mar, dissipa-se nas brumas da Memória colectiva... É o Tempo que serve a memória ou é a memória que serve o Tempo?
domingo, 7 de abril de 2013
The Shining – O Terror Kubrickiano
O género
terror, desde cedo no cinema, sempre teve grande aceitação entre o público.
Lembremos por exemplo "Psycho" (Alfred Hitchcock, 1960), "Os
Pássaros" (Alfred Hitchcock,1963) "O Exorcista"(William
Friedkin,1973) ou "Saw" (James Wan,2004), só para citar alguns que
foram grandes sucessos quer de bilheteira, quer em circuito DVD. “ The Shining” de Stanley Kubrick foi um
daqueles casos em que um filme estreia e
passa quase despercebido e que ao longo dos anos vai ganhando um estatuto
próprio ao ponto de se tornar um filme de culto e uma referência no género.
Jack
Torrance, desempregado e com alguns problemas no passado, é convidado para ir
tomar conta de um hotel durante o inverno. Mesmo conhecendo o historial de
violência daquele hotel no passado, Jack aceita e leva consigo a mulher e o
filho, este tem poderes paranormais e tem visões relacionadas com o hotel, com
o passado e com o futuro.
Em 1975
Kubrick tinha feito “Barry Lyndon” , o seu belíssimo épico, mas que,
apesar do seu avanço tecnológico para a época, tinha sido um fracasso
nas bilheteiras americanas e obtido apenas um relativo sucesso na europa. O
realizador, desapontado com este fracasso, apercebeu-se que necessitava de
fazer um filme que fosse comercial e artisticamente viável. Foi-lhe oferecida a
realização da sequela de “O Exorcista”, que tinha sido um grande sucesso de
bilheteira e a Warmer queria que o seu maior artista se encarregasse daquele
projecto. Mas foi o terceiro livro
escrito por Stephen King, que lhe veio parar ás mãos quando John Calley ,
director da Warner, lhe enviou as provas do livro, Kubrick viu o seu interesse despertar pelo cenário da
obra: um hotel remoto nas Montanhas Rochosas, com o seu labirinto de corredores
. A intensidade da ideia: uma família, separada do mundo, a enlouquecer aos poucos, foi definitiva
“Stanley quis liberdade total para alterar a história e Stephen King concordou”, disse Christiane Kubrick, esposa
do realizador.
“The Shining” teve uma prolongada e árdua produção,
a fotografia principal demorou cerca de
um ano a completar, grande parte dele devido ao perfeccionismo natural de Kubrik.
A actriz Shelley Duvall nunca se deu bem com o realizador que
frequentemente alterava a maior parte das suas falas e criticava o seu método
de interpretação tentando adequá-lo aquilo que pretendia, ao ponto de a deixar
doente durante meses. O argumento foi outro aspecto moroso desta produção. Era
alterado constantemente, por vezes
várias vezes ao dia e os actores só tomavam conhecimento dele minutos antes do
início da rodagem do dia.
Jack Nicholson tem aqui um dos seus grandes papéis. Foi a primeira escolha do realizador para o papel; outros nomes houve que também foram considerados para o papel, tal como Robert De Niro, Robin Williams ou até Harrison Ford, mas foram todos reprovados por Stephen King.Aliás, é difícil ver outro actor que não ele, a interpretar esta personagem.
Na continuação da sua interpretação em "Voando sobre um Ninho de Cucos" (Milos Forman, 1975), pela qual venceu o seu primeiro Oscar de Melhor Actor, e fazendo uma espécie de prólogo para o delírio interpretativo que seria Joker em "Batman" (Tim Burton, 1989), Nicholson provou ser a escolha certa para o papel. Oscilando entre a loucura e a demência total (a sua frase “Here’s Johnny!”, enquanto destrói uma porta á machadada, ainda hoje consegue arrepiar muita gente!) , a sua interpretação de Jack Torrance é magnifíca.
Apesar de
ser terror tradicional , “ The Shining” é modernizado pelo magnetismo do seu
protagonista e pelo trabalho inevitavelmente perfeccionista do realizador: veja-se
por exemplo a cena, repetida várias vezes ao longo do filme, em que Danny
percorre de triciclo os corredores, aparentemente intermináveis, do hotel,
sempre seguido por uma “Steadycam”
obsessiva ; ou a cena em que Jack olha a maquete, nela, Kubrick utiliza um vertiginoso plano
onde vemos as diminutas figuras de Wendy e Danny a passear no enorme jardim
labiríntico; ou ainda toda a cena final de perseguição: são exemplos brilhantes
do trabalho de camera muitas vezes feito pelo próprio realizador. O filme
resulta numa experiência única de suspense e terror e, tratando-se de um filme de Stanley Kubrick, ambíguo como o
são os seus filmes e o melhor exemplo dessa ambiguidade é a cena final em que a
camera percorre lentamente uma sala em
direcção a uma parede e fixa-se num retrato nela pendurado, deixando o espectador com uma grande interrogação na
cabeça.
Stephen
King, apesar de dizer que a adaptação de Kubrick é cheia de imagens
memoráveis, nunca ficou completamente
satisfeito com a versão do realizador por entender que Kubrick retirou muito do
impacto literário da obra ao suprimir capítulos e partes importantes que
continham temas importantes como a desintegração familiar ou os perigos do
alcoolismo. Daí que o escritor tenha adaptado o seu próprio livro para
televisão anos mais tarde ("Stephen King's the Shining", Mick Garris,
1997), fazendo uma versão muito mais
fiel ao romance, com muito menos terror, suspense e impacto visual que a versão de Kubrik. A verdade é que foi o
filme de Stanley Kubrick que chamou a atenção para a força emergente em matéria
filmíca que são os livros deste autor e continua a ser uma obra-prima do
género.
Uma
semana após estrear, Kubrick retirou o filme de circulação para lhe retirar uma cena no final do filme na qual
Wendy, hospitalizada, fala com Mr.Ullman, o director do hotel, e este lhe diz
que o corpo de Jack nunca foi encontrado. A remoção da cena foi feita por ordem
da Warner Bros. , a distribuidora do filme, sem qualquer explicação e
nunca mais foi incorporada em nenhuma
versão do filme que ficou então reduzido a 144 minuto, dos 146
iniciais. Até mesmo a versão americana do filme , autorizada pela família do
realizador após a morte deste, ocorrida
em 1999, mantém os 144 minutos
como duração total.
Para a
sua distribuição europeia e no resto do mundo,
um filme de terror com quase três horas de duração era muito longo, a
Warner impôs a redução de cerca de 25 minutos do filme. Kubrick
remontou o filme, retirando-lhe as cenas que eram referentes ao mundo fora do universo da ideia do realizador
(são pouquíssimass as cenas do filme que
se passam fora do hotel) e as cenas referentes a Tony, o amigo imaginário de
Danny.
“The
Shining” acaba por ser um enorme puzzle visual que nos deixa mais interrogações obscuras e
poucas respostas claras. Tal como em obras anteriores, foi sempre assim a
genialidade de Stanley Kubrick.
Nota: As Imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet
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