quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

MIKE OLDFIELD I

                         - Começos (1967-1979)

   “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” , terá sido com estas palavras de Fernando Pessoa que os  executivos da Virgin Records reagiram aos primeiros acordes do tema “Tubular Bells – Part I”, do álbum com o mesmo nome do músico Mike Oldfield, com que foi inaugurado o catálogo  daquela editora no ano de 1973.
    
Michael Gordon Oldfield  nasceu a 15 de maio de 1953 e desde cedo mostrou grande apetência para a música. Aos 14 anos tocava guitarra acústica em pubs e clubes locais em Reading, no Essex, ganhando algumas libras e experiência musical.  Por esta altura, Mike Oldfield já tinha composto 2 temas instrumentais de 15 minutos cada que, segundo ele, lhe serviam “para passar por todos os estados de alma” e que seriam a base para a maior parte dos seus temas-marca durante a década de 70.
Pouco tempo depois, Oldfield começou a tocar num grupo que imitava os Shadows de Cliff Richard e Hank Marvin, este último influenciou muito o jovem Mike que, anos mais tarde,  faria uma “cover” do tema “Wonderful Land” do grupo. 
   Em 1967, Oldfield e a sua irmã, Sally, formaram o duo “Sallyangie”.  Apresentando-se ao vivo num festival folk local, ganharam alguma projecção e, em 1968, gravam um álbum “Children of the Sun” para a editora Transatlantic Records. Mas o duo foi sol de pouca dura e quando acabou, Mike Oldfield formou outro duo, desta vez com o seu irmão, Terry, chamado “Barefoot” e regressou á música rock. Mas também esta experiência não iria durar muito tempo. Os dois irmãos de Mike, viriam a participar em muitos dos seus álbuns.
   
Em 1970,  Mike juntou-se ao grupo “The Whole World”, um grupo que acompanhava Kevin Ayers, vocalista e antigo membro do grupo “Soft Machine”,  a tocar guitarra baixo e ocasionalmente guitarra elétrica.  O jovem participa em dois álbuns de Ayers, “Whatevershebringswesing” e “Shootingat the Moon”. O grupo incluía também o compositor e teclista David Bedford, a quem ele mostrou as suas primeiras experiências musicais, que viu no jovem Mike um músico promissor.  Rapidamente, Bedford, encorajou o jovem musico a compôr uma primeira versão de “Tubular Bells”.
   
Depois de ter gravado uma série de demos que iriam resultar em “Tubular Bells”, Oldfield tentou, sem sucesso, convencer inúmeras editoras a apostar naquele projecto. Em Setembro de 1971, quase a desistir, levou a demo até ao Manor Studio, onde iria participar como baixista convidado no álbum de Arthur Louis. No intervalo, entre sessões, pôs a demo a tocar e ela foi ouvida por Tom Newman e Simon Hey worth, engenheiros de som, que ficaram encantados com aquela sonoridade.
Apresentaram-na ao jovem milionário, Richard Branson, dono da Manor Studio e que naquela altura se estava a preparar para lançar a  sua própria editora, a Virgin Records. Encantados com a sonoridade  daquele tema, Branson e o seu braço-direito, Simon Draper,  deram ao jovem Mike uma semana para gravar na Manor, durante a qual ele completou a parte 1 de “Tubular Bells”. A parte 2 foi completada e gravada nos meses seguintes.
 
 “Tubular Bells” tornou-se o trabalho mais famoso de Mike Oldfield e uma peça musical incontornável de Rock Sinfónico na sua vertente “New Age”( movimento, nascido no final do século XX, cuja principal característica é a de criar um espaço ambiental de inspiração artística, relaxamento, estudo e leitura através da música). O álbum instrumental foi gravado durante o ano  de 1972  e editado a 25 de maio de 1973 inaugurando o catálogo da Virgin Records de Richard Branson.  A recepção ao álbum foi estrondosa, já que,  passando por vários estilos musicais, nas duas faixas que o compõem,  Mike Oldfield toca mais de vinte instrumentos diferentes e só na Grâ-Bretanha vendeu mais de 2.630.000 cópias, situando-se, ainda hoje, na  posição 34 dos álbuns mais vendidos no país.  Nos Estados Unidos, o álbum ganhou alguma projecção quando um excerto da parte 1 foi incluído na banda sonora do filme “The Exorcist – O Exorcista” (William Friedkin, 1973) por escolha directa do realizador. Essa inclusão do  excerto na banda sonora do filme acabou por ser decisiva e o tema foi  número 10 no top de vendas  americano.
   Em 1974, Mike Oldfield participou como guitarrista  no álbum “Rock Bottom” de Robert Wyatt e no Outono desse ano editou “Hergest Ridge”, uma espécie de continuação de “Tubular Bells”. Tal como o seu antecessor, este também era uma peça musical dividida em duas partes, desta vez a música evoca cenas do retiro de campo da família Oldfield situado no condado de Herefordshire. Apesar de editado pouco mais de um ano depois de “Tubular Bells”, “Hergest Ridge” chegou primeiro a número 1 do que o anterior, apesar daquele ter sido número 2 dez semanas consecutivas, antes de chegar a número 1 na semana em que estreou o filme do qual fez parte da banda sonora.
    Ainda em 1974, Mike Oldfield participa como guitarrista convidado em “The Orchestral Tubular Bells”, um arranjo que o amigo David Bedford fez para a Royal Philharmonic Orchestra. A grande diferença para o álbum original é que Mike Oldfield não toca a maioria dos instrumentos, a melodia e a sonoridade são as mesmas só que transferidas para outros instrumentos,  os coros não existem, assim como “O Mestre de Cerimónia” a dizer o nome dos instrumentos, no final da parte 1, também não existiu. Apesar de ter sido uma experiência interessante,  não trouxe nada de novo para a obra do multi-instrumentista britânico.
   
1975 viu nascer um álbum importante na carreira do músico. “Ommadawn” é um álbum pioneiro na música mundial. Mantém-se a tendência de uma peça dividida em duas partes, mas a   introdução de novos instrumentos, como a gaita de foles ( a maior parte dos instrumentos são tocados por Oldfield) e dum coro liderado pelo Coro do Colégio da Rainha  e das vozes de Sally Oldfield, Maddy Prior, remete-nos para um quase principio do mundo, influenciado pelas raízes celtas na música inglesa. Também em 1975, Mike Oldfield recebe um “Grammy” (Oscar da música) para Melhor Composição Instrumental com “Tubular Bells”.
   Em 1976, a virgin records, com autorização do músico, lança "Boxed", uma caixa com quatro discos que continha os álbuns "Tubular Bells", "Hergest Ridge" e "Ommadawn", remisturados com som quadrifónico, onde, nas palavras de Oldfield, era possivel descobrir pequenas texturas musicais não identificadas nas versões normais dos álbuns e um quarto disco intitulado "Collaborations", constituído por temas diversos, tocados com os músicos que colaboraram nos seus outros projectos.
    A tendência para explorar novas sonoridades seria continuada no álbum seguinte, editado em 1978. O duplo álbum “Incantations”, apesar de ser o mais longo trabalho de Oldfield, é o mais perfeito e mais completo da primeira fase da sua carreira. Desta vez a longa peça é dividida em quatro partes e enriquecida novamente pelo coro, mais diversificado ao longo de toda a peça. O álbum, como um todo,  utiliza composições  minimalistas e linhas melódicas onde se ouvem apenas alguns instrumentos. O sucesso, apesar de relativo em relação aos álbuns anteriores, permitiu-lhe começar a pensar em fazer uma tounée extensiva de apresentação.
   
Entre março e abril de 1979 Mike Oldfield percorreu a europa, com cerca de 50 músicos e vocalistas,  no que ele chamou “Tour da Europa” dando concertos na Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Espanha, Portugal e terminando em Inglaterra. Inicialmente os concertos eram gravados sem o conhecimento dos músicos para que lhes fosse pago menos dinheiro apenas pela actuação e não pela gravação. Os músicos acabaram por saber o que lhes estava a acontecer, mas não impediram as gravações e eventualmente um álbum acabou por ser gravado. Suportado pela apresentação ao vivo dos álbuns “Tubular Bells” e “Incantations”, “Exposed”, um duplo álbum, foi o resultado desta dispendiosa tournée que nunca se chegou a pagar inteiramente, apesar das magnificas actuações e de casas sempre cheias.
   

Mike Oldfield iria fechar a década de 70 com um álbum, o primeiro da sua carreira, a conter canções e versões (as chamadas “cover” versions).  “Platinum”, assim se chamou o álbum que contém o tema-título com a duração de cerca de 20 minutos e divido em 4 partes, sendo as duas primeiras peças de rock progressivo no seu melhor; a seguinte, intitulado “Charleston”  é tocada em ritmo swing e contém uma secção de metais que lhe dá um toque humorístico; a última parte é quase um regresso ao toque progressivo das duas primeiras e contém um arranjo dum excerto musical da peça “North Star” do compositor minimalista Philip Glass. Apesar do toque “disco” que  é mantido ao longo desta parte do tema, são o baixo e a guitarra- funky que se ouvem ao longo de toda a secção e depois do coro, é a guitarra-solo que passa a marcar a textura do tema, enquanto se ouve  até final, que faz toda a diferença.  Os outros temas são canções diversas onde se incluem temas como “Punkadidle”, onde Oldfield brinca com o movimento Punk que marcava a Inglaterra do final dos anos 70 e “I Got Rhytm”, um tema clássico composto por Ira e George Gershwin, re-imaginado por Mike que o transforma numa balada ao estilo de Broadway com a voz harmoniosa de Wendy Roberts e uma orquestração maioritariamente executada por teclados.
   Considerado pelos críticos como uma das obras-primas do músico, “Platinum”, não conseguiu atingir os lugares cimeiros das tabelas mundiais, apesar das seis semanas que permaneceu no top britânico. Mas as vendas que fez, permitiram a Mike Oldfield, prosseguir a sua via experimental e, principalmente, entrar na nova década mais confiante que nunca.
                                                                                                      (continua)

Nota: As Imagens e vídeo que ilustram o texto, foram retiradas da Internet






domingo, 15 de dezembro de 2013

“Toute une Vie” – Toda uma Vida – A nossa Alma Gémea


    Quantas vezes é que já nos interrogámos sobre o facto de termos ou não, algures, uma alma gémea, alguém que partilha os nossos gostos, a nossa maneira de ser, de pensar, de estar? Provavelmente fazemo-lo vezes sem conta, sem sequer nos apercebermos disso.  E se um dia, por acaso,  encontrássemos essa alma gémea? Como é que iriamos reagir?, o que é que faríamos? Qual seria a sua (dela, alma gémea) reacção?  Foi o que, em 1974,  Claude Lelouch, realizador francês de renome tentou responder com o seu filme “Toute une Vie – Toda uma Vida”.
    Em “Toda uma Vida”, assistimos à  história  de várias gerações de duas familias, cujos descendentes estão destinados a encontrar-se, nunca o fazem, apesar de se cruzarem algumas vezes em diversas ocasiões, mas só o farão no final.
    Claude Lelouch é um observador do mundo,  gosta de contar a história desse mundo através de melodramas. O realizador costuma dizer “que só existem duas ou três histórias que vale a pena contar”, e resumem-se todas a uma ideia só: Homem encontra Mulher, as variações que esta ideia permite é que são quase infinitas.. O melhor exemplo desta ideia é contado no filme “Une Homme et Une Femme – Um Homem e Uma Mulher”, de 1966, o mais famoso e mais premiado filme do realizador. Nele, um homem e uma mulher encontram-se, apaixonam-se e acabam por se separar. Com esta pequena e simples ideia, o realizador contou uma das  mais belas histórias de amor de que há memoria na história do cinema. Ganhou  diversos prémios incluindo a Palma de Ouro no festival de Cannes e dois Óscares da Academia e foi um sucesso enorme nas bilheteiras de todo o mundo.                  
   
Tudo o que Lelouch filmou depois deste filme, mais não foram do que as tais variações sobre a mesma ideia, das quais saliento “Une Homme et Une Feme: Vingt ans Dejá – Um Homem e Uma Mulher: 20 anos depois” (1986), uma espécie de continuação de “Um Homem e Uma Mulher”, onde  Anne e Jean-Louis (as personagens desse filme), se reencontram passados vinte anos; o fabuloso“Les Uns et Les Autres – Uns e…Os Outros” (1981) onde Lelouch conta a história de quatro familias de franceses, alemães, russos e Americanos, seus amores e frustações através da música, uma paixão comum que os une; neste “Toute Une Vie – Toda uma Vida”, o realizador vai ao extremo de contar a história de um encontro que demora um século para acontecer! A ideia, desenvolvida pelo realizador e pelo argumentista Pierre Uytterhoeven, é simples e absolutamente genial pelo facto de a vermos desenrolar-se  num contexto que envolve o século XX praticamente todo.
   Os primeiros 20 minutos de filme são a preto-e-branco, mudos, acompanhados por uma partitura musical tocada em piano e com os diálogos reproduzidos em cartões entre as cenas (homenagem aos irmãos Lumière e aos primordios do cinema) e perante os olhos do espectador surge a história dos avós  e dos pais de Sarah e Simon, as duas personagens cujas vidas serão  moldadas e vividas ao sabor dos grandes acontecimentos do século XX: Da Primeira  Grande Guerra   á Segunda Guerra Mundial, do Holocausto ao nascimento do Estado de Israel, da Crise dos Mísseis de Cuba á geração Beat dos anos 60.
   
O passado, como cedo se percebe, afecta o presente. Por conseguinte, a visita inicial ás gerações passadas, acrescenta  alguma substância ás suas personalidades: Sarah, a  filha de sobreviventes dum campo de concentração, é tão perturbada quanto o seu sofrido e amoroso pai, que nunca consegue ultrapassar totalmente a perda da mulher, apesar de ser um homem de negócios bem sucedido. Quando, em adolescente, ela se apaixona pelo cantor pop Gilbert Bécaud (o próprio a interpretar-se a si mesmo), o seu oposto, Simon, é preso por roubar alguns discos de Bécaud; mas talvez o melhor resumo destas vidas paralelas seja a cena em que Simon foge da prisão, rouba um automóvel, tem um acidente e é transportado para o hospital, no qual está também Sarah internada depois duma tentativa de suícidio porque Gilbert Bécaud já  não quer saber dela

     Da mesma maneira, as suas carreiras vão surgindo enquanto fazem a caminhada para a maturidade: ela evolui de menina mimada e aborrecida que experimenta de tudo até se tornar numa meticulosa consciência social; ele, por seu lado, vai de condenado a fotógrafo de comerciais e realizador de filmes porno a realizador respeitado (aqui, excluindo a parte dos filme porno, a história adquire algum carácter autobiográfico já que Lelouch começou a filmar publicidade antes de fazer longas-metragens), que procura a sua alma gémea, seguindo as indicações de um antigo companheiro de prisão que, a dado momento, lhe diz que se ele encontrar outra pessoa que, como ele, goste de três cubos de açúcar no café, terá encontrado uma alma gémea.
   
   
“Toda uma Vida” está constantemente em transição entre o sonho e a realidade. As histórias que vemos, não se limitam a interligar-se, elas transformam-se umas nas outras, tal como acontece muitas vezes nos sonhos. Começamos com a história de  um cameraman, a brincar no parque com a sua nova camera (e através dela vê o mundo) , vê uma jovem que admira o seu brinquedo novo, apaixona-se por ela (simbolizando a eterna ligação romântica entre filmes e a vida. Um ciclo inteiro de vida é registado através da camera, incluindo o nascimento da filha do casal). Chamado para ir combater na I Guerra Mundial, ele morre na frente de batalha. O general que entrega a medalha á viúva, vê as atenções centradas em si quando casa com uma dançarina, é pai, e depois descobre que a sua mulher tem um caso. Depois, ele entra num quarto em que tudo se transforma para dar lugar ao assassinato da família Romanov  durante a Revolução Russa (parece que estamos num  filme de David Lynch e não de Claude Lelouch!), mas regressamos rapidamente ao mundo do realizador francês no momento em que acontece o tradicional encontro “rapaz conhece rapariga” numa estação de comboio durante a ocupação da França na II Guerra Mundial . É nesta altura que o filme deixa as imagens  a preto-e-branco e surge a cor. O sonho passa á realidade.
   
   
   
O filme  não se pode considerar do tipo experimental porque tudo aquilo que vemos no écran, saiu directamente da cabeça dos argumentistas (principalmente de Lelouch). Até a  curiosa intercepção das épocas e dos acontecimentos parece natural e até lógica. Não houve nenhuma invenção para o filme é apenas e só um objecto-maravilha, um caleidoscópio de estilo, histórias e notícias relatadas através de material filmado. Tudo isto, dificilmente, seria tão bem trabalhado se não fosse a  genial direcção de actores, aliada a fabulosos planos-sequência e “travellings”  mágicos da autoria de Claude Lelouch que brilha na sequência de perseguição a pé da polícia  a Simon nas ruas próximas dos "Champs Elysées", toda ela filmada de camera na mão ao estilo reportagem televisiva; ou na sequência em que Simon foge da prisão num carro a alta velocidade e bate noutro carro na estrada, o realizador repete a batida várias vezes mostrando ângulos ligeiramente alterados. Até no próprio genérico inicial, passado na viragem do século XIX para o século XX, filmado a preto-e-branco, Lelouch permite-se uma brincadeira: agradece a toda a gente que participa no filme e depois vão surgindo os nomes, por ordem alfabética, mas não diz quem faz o quê, subvertendo a ordem do genérico.

 Com “Toute une Vie – Toda uma Vida”, Claude Lelouch  demonstrou, tal como faria anos mais tarde com “Les Uns et Les Autres – Uns e os Outros”, que as ideias mais simples são as mais geniais.

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet


EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...