domingo, 22 de novembro de 2015

Na Linha de Fogo


   “Na Linha de Fogo” marcou o regresso de Clint Eastwood aos papéis principais, depois do triunfo absoluto de “Unforgiven - Imperdoável” (Clint Eastwood, 1992) e de um papel quase secundário em “A Perfect World - Um Mundo Perfeito” (Clint Eastwood, 1993). Seria também a última vez que seria dirigido por outro realizador que não ele próprio, situação que seria alterada em 2012 quando o actor e realizador anunciou o seu regresso á interpretação depois de “Gran Torino – Gran Torino” (Clint Eastwood, 2008)  com “Trouble with the Curve – As Voltas da Vida”, realizado pelo seu produtor habitual e amigo,  Robert Lorenz.
   Frank Horrigan é uma lenda viva dos Serviços Secretos Americanos, com uma folha de serviços excepcional, cuja única mágoa em toda a sua carreira é não ter conseguido impedir que  John F. Kennedy fosse assassinado em Dallas em 1963. Agora, em nova campanha presidencial, um psicopata avisa que vai assassinar o Presidente dos Estados Unidos que concorre para ser reeleito, ao mesmo tempo que desafia Horrigan a tentar emendar o seu erro no passado.
   
Um “thriller”, deve ter, no mínimo, um vilão que faça justiça ao género cinematográfico em que se inclui e “Na Linha de Fogo” tem um excepcional. Mitch Leary (brilhantemente interpretado por John Malkovich), é inteligente, perverso, bem falante,  consegue penetrar na mente do seu oponente, através duma série de telefonemas, de um modo verdadeiramente insidioso, gosta de fazer jogos mentais e diz a Horrigan, mais ou menos, aquilo que pretende fazer e quando é que o irá fazer. Horrigan, aceita o jogo e encara-o como uma espécie de redenção do seu passado. No entanto, depois de ter cometido um erro e ter feito o presidente parecer um cobarde, o Chefe do Gabinete presidencial faz com que Frank seja posto fora da escolta presidencial e ele vê-se na obrigação de quebrar alguma regras de modo a não perder o rasto de Leary que, por essa altura, já se conseguiu imiscuir no círculo próximo do presidente.
   
Clint Eastwood provou mais uma vez ser uma escolha perfeita para o papel de Frank Horrigan, um homem com uma longa experiência, apesar de se culpabilizar pelo assassínio de J.F. Kennedy, sente que poderia ter feito a diferença em Dallas. De certa maneira, é Leary que, usando as palavras como setas certeiras,  quem proporciona ao agente dos Serviços Secretos, a possibilidade de, de uma vez por todas, exorcizar os fantasmas do seu passado. Mas ele é também um homem de sentimentos profundos como demonstra o seu relacionamento com a agente Lilly Raines ( a bonita actriz Rene Russo, numa variação mais “sexy” do seu papel em “Lethal Weapon 3 – Arma Mortífera 3”, realizado no mesmo ano, por Richard Donner), formando uma variação interessante nos papéis de associado (a) e /ou colega e namorada (o).  
   
  
Inicialmente a relação entre ambos é difícil, já que ele, macho, faz comentários sexistas acerca do facto das mulheres poderem ser também Agentes dos Serviços Secretos. Ela ignora-o. Eventualmente, quando Mitch Leary desafia Horrigan para o seu pequeno jogo, ela ajuda-o e um respeito começa a surgir entre ambos evoluindo para uma atracção  mútua na maravilhosa cena, carregada de um quase realismo e emoção, no salão do hotel  quando Horrigan toca piano e conversa com uma LiIly, absolutamente divinal no seu vestido de noite, sobre trabalho, Jazz, estratégia e romance e conseguem ser tão extremamente convincentes que parece que aquela conversa está a acontecer entre duas pessoas com vidas normais. Dylan McDermott, John Mahoney, Fred Dalton Thompson completam o elenco deste thriller de acção e suspense.
   O Produtor do filme , Jeff Apple, começou a desenvolver a ideia deste filme em meados da década de 80. A sua ideia era fazer um filme sobre um Agente do Serviço Secreto desde a sua infância até á altura em que o Presidente Kennedy é assassinado estando ele destacado para sua protecção. Apple foi inspirado por uma memória da sua juventude em que ele sonhava ter um encontro com o então Vice-Presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson, em que este se encontrava rodeado por agentes dos Serviços Secretos com auriculares, vestidos com roupa escura e a usar óculos de sol. A ideia tomou forma durante a sua adolescência enquanto via as inúmeras repetições televisivas das imagens do assassínio do Presidente J.F. Kennedy. Em 1991, o argumentista Jeff Maguire foi convidado para completar o argumento que viria a tornar-se no filme.
   
No geral, “Na Linha de Fogo”, é muito semelhante aos filmes da série “Dirty Harry” que Clint Eastwood tão bem protagonizou ao longo das décadas de 70 e 80 do século passado nos quais, quase sempre, um psicopata fazia jogos com o polícia que depois era posto fora do caso mas continuava a sua investigação por conta própria, muitas vezes ajudado por alguém que poderia ter sido alvo do criminoso mas teria sido ajudado pelo agente em questão, ou pelo seu parceiro que o mantinha informado. Mas o filme não é uma repetição desses elementos, mas sim um thriller inteligente e bem feito, muito na linha de “Tightrope – Um Agente na Corda Bamba” (Richard Tuggle, 1984), um dos melhores filmes que Eastwood protagonizou dentro do género. O argumento avança sem medos e percebe-se que Jeff Maguire se terá divertido imenso em escrever as voltas e reviravoltas que o compõem. Nunca se perde tempo. Horrigan segue as pistas que Leary lhe vai deixando, usa a sua perspicácia, intuição e experiência, quebra regras e regulamentos quando necessário e eventualmente chega aquele ponto em que se testa o dever e o poder de decisão  de qualquer agente do Serviço Secreto: deve ou não deixar-se atingir para proteger a vida do Presidente?
   
Realizado pelo alemão Wolfgang Petersen,  que depois de diversa obra na televisão alemã, conseguiu ganhar notariedade em 1981, com “Das Boot – A Odisseia do Submarino 96”, drama claustrofóbico passado dentro dum submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial, vencedor de vários prémios em festivais internacionais e nomeado para 6 Oscares. Foi depois, em 1985, transformado numa mini-série televisiva em seis episódios; realizou depois “The Neverending Story - A História Interminável”, em 1984, outro sucesso entre as camadas mais jovens. Depois, já e terras do tio Sam, filmou “Enemy Mine – Os Inimigos” em 1985,  sobre o relacionamento improvável entre um soldado espacial e um sobrevivente da espécie inimiga, que foi apenas um relativo sucesso; em 1991 filmou “Shattered – Pulsações Explosivas”, um drama de crime e mistério que obteve as graças da crítica. Em “Na Linha de Fogo”, Petersen consegue desenrolar a história duma maneira tão certa como um relógio e definir as personagens de modo a torná-las surpreendentemente simpáticas (incluindo o próprio Mitch Leary de quem não conseguimos deixar de gostar apesar do que ele se propõe fazer). O sentido de acção está sempre presente, principalmente no clímax do filme onde a realização tem tanto de espectacular como de hábil, não só por causa da sua acção como também pela sua perfeita lógica final que permite que a situação anteriormente vivida entre ambos volte a acontecer como uma espécie de desforra do seu jogo.
   O filme obteve maioritariamente impressões positivas dos críticos e ganhou os favores do público. Custou cerca de 40.000.000 de dólares, foi um considerável sucesso de bilheteira nos Estados Unidos onde fez cerca de 102.000.000 de dólares, enquanto na europa e resto do mundo ultrapassou os 85.000.000 de dólares.
   O que existe na maioria dos thrillers hoje em dia são grandes peripécias,  muita acção e pouca história. Com “Na Linha de Fogo” existe um pouco de tudo, mas principalmente existe inteligência e só isso é suficiente para estarmos perante um grande filme.

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet




segunda-feira, 27 de julho de 2015

OS Cinco – O Regresso à Juventude


   
Com a excepção de Agatha Christie, a grande escritora de livros policiais e Enid Blyton, autora de inúmeras obras para crianças e jovens, não conheço nenhuma outra escritora cuja obra literária fosse tão importante na cultura do século XX.
Se Agatha Christie foi e ainda é considerada a grande “Dama do Crime”, com  as suas personagens famosas como o Detective  Hercule Poirot, ou Miss Marple, a servirem de mote a um sem número de escritores,  já Enid Blyton, com as suas mais de 700 obras (!) publicadas, entre livros,  poesia e artigos, divididas  entre obras em nome próprio e obras publicadas sob o pseudónimo de Mary Pollock, deve ser considerada a mais profícua contadora de histórias para crianças que alguma vez existiu.
   
Enid Mary Blyton (1897-1968) foi uma escritora britânica de literatura infantil, cujos livros têm estado entre os mais vendidos de sempre desde os anos 30, vendendo um total de 600.000.000 de cópias, continuam a ser enormemente populares e encontram-se traduzidos em mais de 90 línguas.
O seu primeiro livro “Child Whispers”, uma colecção de poemas apresentados em 24 páginas, foi publicado em 1922 e desde então nunca mais parou de escrever. No pico da fama, entre as décadas de 40 e 50, chegava a publicar entre 10 a 20 (!) livros por ano. Faleceu em 1968, deixando algumas obras incompletas que seriam terminadas pelos seus herdeiros, nomeadamente pela sua neta, Sophie Smalwood e postumamente editadas ao longo dos anos subsequentes á sua morte.
Entre as muitas séries que escreveu, as mais famosas e também as mais lidas em todo o mundo, encontram-se “Noddy”, “Mistério”, “As Gémeas em Sta. Clara”, “O Colégio das Quatro Torres”, “Os Sete”, entre muitas outras. Mas a sua criação mais famosa de todas, à excepção da série infantil “Noddy”, foi a série dos Famosos Cinco, que ainda hoje se lê com o mesmo agrado que se teve quando nos chegou ás mãos o primeiro livro das suas aventuras.   
 
A série “Os Famosos Cinco”, ou apenas “Os Cinco” como ficou conhecida em Portugal, nasceu em 1942  e relatava as diversas aventuras de um um grupo de quatro crianças  e o seu cão. Na verdade, três das crianças eram irmãos e a quarta era prima deles. As crianças eram: Julian (Júlio), o mais velho, alto e inteligente, forte, simpático e responsável, naturalmente, o líder do grupo. No início da série, Julian tem 12 anos;  Dick (David), dono de um humor tipicamente britânico (adaptado em Portugal á nossa realidade), não tão inteligente como Julian, mas igualmente responsável. É um ano mais novo que o seu irmão, Julian e no início da série tem 11 anos; Georgina ( Maria José), prima de Julian, Dick e Anne, é uma maria-rapaz, usa o cabelo curto como os rapazes e veste-se como eles. Quer que a tratem por George ( Zé) ou então não responde.
    Dona de uma personalidade muito forte, tem um espírito de aventureira, corajosa e de difícil relacionamento com outras pessoas (Enid Blyton admitiria que a personagem de Georgina era muito baseada em si própria), Georgina tem a mesma idade que o seu primo Dick;  Anne (Ana), é a mais nova do grupo. Pouco dada a aventuras, não as aprecia tanto como os outros, assusta-se facilmente. Por ser a mais nova, gosta de se ocupar das tarefas domésticas nas aventuras, planeando e organizando as coisas e gosta de ter tudo arrumado, seja em casa, seja nos acampamentos  e é muito protegida pelos seus dois irmãos mais velhos, apesar de Dick gostar sempre de a provocar um pouco  e ser sempre o primeiro a tentar animá-la quando ela se sente aborrecida ou triste. No início da série, Anne tem 10 anos; Timmy (Tim) é um cão brincalhão, afável e muito dedicado aos seus quatro companheiros, mas principalmente é-o em relação a Georgina que o considera, nas suas próprias palavras, o melhor cão do mundo. Inteligente e protector, Timmy torna-se decisivo em muitas aventuras ao providenciar protecção física ás crianças em momentos de grande aflição.     
    O primeiro livro “Five on a Treasure Island – Os Cinco na Ilha do Tesouro”, foi publicado em 1942 e começa quando os três irmãos vão passar férias ao “Casal Quirrin”, uma propriedade situada junto ao mar, no Condado de Dorset em Inglaterra, que pertence aos tios, Quentin ( irmão do pai de Julian, Dick e Anne), um cientista famoso e brilhante, conhecido pelo seu temperamento delicado, distraído e grande falta de humor, é no entanto, um pai extremoso, marido e tio dedicado e muito orgulhoso da sua filha  e Fanny, que, ao longo dos livros, vai assumindo uma figura maternal nas vidas das crianças, e onde conhecem a sua irascível prima, Georgina e o seu cão, Timmy. Em frente á praia onde fazem as suas férias, está a Baía Kirrin e nela existe uma ilha com uma fortaleza em ruínas, que Georgina diz ser da sua família e será lá que acontecerá a sua primeira aventura e algumas outras posteriores.
   
As histórias passam-se sempre durante as férias escolares deles (Julian e Dick estão num colégio, Georgina e Anne estão noutro), seja no natal, seja no verão ou seja na páscoa. Sempre que eles se juntam, acontece uma aventura, umas vezes envolve criminosos, outras vezes a procura de um tesouro perdido.   O cenário das aventuras também varia. Algumas vezes passam-se no Casal Kirrin, na Ilha Kirrin, outras vezes a acção passa-se em casas e quintas típicas inglesas, algumas  com centenas de anos de existência, com passagens secretas ou túneis utilizados por ladrões, raptores ou antigos contrabandistas. Outras aventuras acontecem em que “Os Cinco” vão acampar para o campo, ou em passeio de bicicleta ou até mesmo em “Charretes” alugadas para ir passear país fora. Os cenários são, quase sempre, rurais e permitem ao grupo descobrir a vida ao ar livre, a vida comunitária, ilhas, as terras inglesa e irlandesa, a beira-mar, assim como os pequenos prazeres de um piquenique, comidas caseiras, limonadas, passeios de bicicleta, de charrete e natação.   
   Enid Blyton tencionava escrever entre seis a oito livros na série, mas o sucesso comercial  foi tal, principalmente entre as camadas mais jovens, que ela acabou por se ver forçada a escrever vinte e um livros na série, um por ano, desde 1942 até 1963, quando escreveu “Five are Together Again – Os Cinco e a Torre do Sábio”, vigésimo-primeiro e último livro da série. Hoje em dia vendem-se cerca de 2000.000 de cópias por ano das obras de Enyd Blyton, principalmente dos livros infantis. No total, a sua obra já vendeu mais de 100.000.000 de cópias, tornando-a numa das mais bem sucedidas escritoras de sempre.
   Em 1971, o legado de Enid Blyton autorizou Claude Voilier (pseudónimo de Andrée Labedan), professora, jornalista e tradutora, a dar continuidade ás aventuras de “Os Cinco”, já que desde sempre as suas aventuras tinham sido extremamente populares em França, algumas delas tinha sido a própria a traduzir para francês. Nascia assim a série “As Novas Aventuras dos Cinco, constituída por 24 novas histórias, publicadas entre 1971 e 1985.
   Em 1997, foram encontrados diversos textos inéditos que continha várias pequenas histórias, escritas em 1963, alguns haviam feito parte duma revista publicada ainda em vida da escritora, outros não, deveriam ser esboços para outras futuras aventuras, mas que a autora não quisera publicar na altura. Como estavam completas, os seus familiares acharam que seria interessante publicá-las como sendo parte integrante das aventuras originais de “Os Cinco” e assim apareceu  “Five Have a Puzzling Time and Other Stories – Os Cinco e a Luz Misteriosa”, constituído por oito contos, tornando-se o vigésimo-segundo livro das aventuras de “Os Cinco”, editado em 1998, 30 anos depois da morte da escritora.
Foi com Julio Verne, para mim, o melhor escritor de todos os tempos, que aprendi a ler, mas foi com Enid Blyton, que  comecei a cultivar o gosto pela leitura, que,  de resto, ainda hoje se mantém.
                                                        



Nota: as imagens que ilustram o texto foram retiradas da Internet

terça-feira, 2 de junho de 2015

Doutor Jivago – O amor nos tempos da Revolução Russa


   
Em 1963, o realizador David Lean sentia-se como Leonardo DiCaprio, 35 anos mais tarde, de pé, na amurada da proa do “Titanic”, a gritar “Sou o Rei do Mundo!”:  o seu  épico aventuroso, “Lawrence da Arábia”, triunfara nos Oscares, ao vencer em sete das dez categorias para que fora nomeado, incluindo Melhor Filme do Ano e Melhor Realizador.   Pouco tempo depois, o realizador anunciava o seu próximo projecto: uma adaptação do livro “Dr. Zhivago” de Boris Pasternak. Foram várias as razões que trouxeram Lean até este filme. Carlo Ponti, o poderoso produtor italiano, mal soubera do sucesso internacional do livro, adquiriu os direitos da sua adaptação para o grande écran e usá-lo como veículo para promover a sua mulher, Sophia Loren. Lean, por seu lado, depois de “Lawrence” e do seu enorme sucesso em todos os campos, queria fazer algo mais íntimo, mais romântico e o livro de Pasternak, parecia ser o melhor remédio.
   
Carlo Ponti não indicara nenhum realizador na altura em que adquiriu os direitos de adaptação da obra. Ele queria filmar na União Soviética para conferir algum realismo á monumental obra de Pasternak, mas, algum tempo depois, percebeu que se quisesse filmar lá, o Kremlin iria quase de certeza querer exercer algum controle, discreto, mas ainda assim, um controle. A ideia foi abandonada ao fim de algum tempo. O facto de David Lean ter ganho Oscares as duas últimas vezes em que obras suas estiveram a concorrer, foi decisivo para Ponti indicar o seu nome como realizador da adaptação de “Doctor  Zhivago” e o realizador aceitou de bom grado assim que leu o resumo de 30 páginas que lhe fizeram chegar.
   
G.Chaplin, J.Christie, T.Courtenay, A.Guiness, R.Richardson, O. Sharif, R.Steiger
Peter O’Toole, que brilhara em “Lawrence da Arábia”, ao interpretar a complexa personagem de T.E. Lawrence, foi uma das primeiras escolhas de Lean para o papel de Jivago. Mas o actor, que já estava comprometido com Richard Brooks para o filme “Lord Jim” (1965), recusou. Antes de se decidir por Omar Sharif, que também participara em “Lawrence”, Lean convidou Paul Newman, Max Von Sydow , Michael Caine, entre outros que, por uma ou outra razão, declinaram o convite. Rod Steiger foi convidado depois de  Marlon Brando e James Mason recusarem. Audrey Hepburn foi escolha para o papel de Tonya, antes deste ser entregue a Geraldine Chaplin. Para interpretar Lara, Ponti queria a sua mulher, Sophia Loren, mas Lean conseguiu convencer o produtor de que ela era alta demais para as exigências do papel. Yvette Mimieux, Sarah Miles e Jane Fonda foram os nomes que se seguiram, antes de, baseado numa recomendação de John Ford , o realizador, deslumbrado  pela beleza da actriz britânica, Julie Christie, a escolher para o papel.
   O livro, publicado em 1957, (o tempo era o da guerra fria), só havia sido completado um ano antes e chegou ao mundo ocidental, onde foi publicado, entre um grande coro de celebração e de alguma controvérsia, que fez do seu autor um dos símbolos da Guerra Fria e da resistência ao comunismo soviético. Pasternak, um grande poeta lírico, seria agraciado com o Prémio Nobel da Literatura em 1958 e o livro, ajudado pela campanha soviética contra ele, tornou-se um dos maiores sucessos literários no mundo não comunista e esteve 26 semanas no top dos “Best-Sellers” em Nova York. O livro só foi publicado pela primeira vez na União Soviética em janeiro de 1988, já no tempo da “Perestroika” e do “Glasnost” de Mikhail Gorbachev. Por esta altura, a versão de Lean, que, na altura da sua estreia, tinha sido largamente denunciada pelas autoridades soviéticas como politicamente incorrecta, acabou por ser visualizada no Kremlin, já que o realizador fora convidado para o Festival de Cinema de Moscovo em 1987 e que a organização teria muito gosto em exibir “todos” os seus filmes.
   
A acção do filme passa-se na Rússia, maioritariamente no período que antecede a Iª GuerraMundial, a revolução russa de 1917, a guerra civil que se lhe seguiu e estes períodos são antecedidos de uma espécie de prólogo situado algures na década de 40 ou 50 no qual o General Yevgraf Andreyevich Zhivago (Alec Guiness, irrepreensível como sempre!) interroga a jovem Tanya Komarova, que ele pensa ser a sua sobrinha, filha do seu meio-irmão,  Doutor Yuri Andreyevich Zhivago (Omar Sharif, no papel mais famoso da sua carreira) e de Larissa “Lara” Antipova ( a bonita actriz Julie Christie). Perante a incredulidade da jovem, Yevgraf conta-lhe então a história da vida do seu (suposto) pai.
   
O filme, apesar de ser fiel ao foco central do romance, difere do mesmo em  algumas personagens e acontecimentos. No entender de muita crítica especializada, o facto do filme se centrar muito no romance entre Jivago e Lara, tirando alguma importância á revolução russa e á guerra civil que se lhe seguiu, banalizando o a própria história e penalizando a película, que mais não era do que uma série de postais ilustrados da revolução, uma  história de amor  situada no topo do que foi a dolorosa reconstrução da Rússia destruída por uma guerra civil. Apesar do filme ser visto, na maior parte, pelo lado de Jivago, o poeta e não de Jivago, o médico, a sua poesia manifesta-se logo desde o início do filme, mas só o vemos a escrevê-la perto do final do filme e nunca ouvimos nenhum dos seus poemas ser dito (nem mesmo no prólogo quando o encarregado da barragem diz que antes os poemas não podiam ser lidos mas que agora já lhes era permitido lê-los) e este facto foi uma das razões que levaram a crítica a achar o filme mais um romance amanteigado e belicodoce do que a adaptação do livro de Pasternak.

   Lean conseguiu manter-se acima de todas estas coisas. Mas também, se calhar, a experiência foi-lhe dolorosa porque quando a mesma crítica que o louvou em “ A Ponte do Rio Kwai”
(1957), em “Lawrence da Arábia” (1962), que tentou deitá-lo abaixo com este “Dr.Jivago”, conseguiu-o com  “A Filha de Ryan” (1970), o  seu filme seguinte, afastando o realizador do cinema durante 14 anos, afastamento esse que muitos julgaram definitivo.
A ideia com que se fica depois da experiência que é ver um filme com esta grandiosidade técnica e duração (mais de três horas!) é que David Lean é um verdadeiro artesão da velha escola e isso fica patente em algumas cenas, que embora não sejam marcantes no todo da obra, são significativas do ponto de vista técnico do filme: a cena, logo no início, em que se vê uma estrela vermelha a brilhar por sobre a abertura do túnel onde os trabalhadores entram e saem;  o plano da cara do jovem Jivago a olhar assustado para uma janela congelada e os ramos duma árvore a baterem contra ela; ou, talvez o mais belo plano de todo o filme quando cristais de gelo se transformam em flores e uma delas se dissolve, transformando-se na cara de Lara.  Mas Lean, vai ainda mais longe, demonstrando todo o seu perfeccionismo (patente em toda a sua obra) ao aceitar um dos desafios mais difíceis da sua carreira como realizador: reconstruir Moscovo, os seus arredores e grande parte da estepe russa no tempo da revolução russa em locais como espanha e canadá ( toda a cena do comboio foi filmada lá) e aceitou filmar a maior parte das cenas-chave do filme durante o inverno, com todas as dificuldades que fotografar na neve ( artificial e verdadeira) acarreta. O momento que melhor ilustra esta dificuldade é, quando Jivago e Lara entram numa casa abandonada em Yuriatin, a neve e o gelo que os precedia transforma-se quase numa fantasia de inverno fazendo-nos pensar simultaneamente na beleza daquela cena e na cuidadosa direcção artística com que somos presenteados.
   
Mas há também toda uma vertente épica que percorre toda a obra, ou não fosse este um filme de David Lean e é nesse sentido que a obra ganha proporções de superprodução: a carga da cavalaria sobre os manifestantes bolcheviques na rua principal de Moscovo; as tropas a retirarem da frente de guerra quando tentam persuadir os reforços que com eles se cruzam a voltarem para trás antes de chacinarem os oficiais de exército; a carga dos “partisans” comunistas durante a guerra civil sobre um lago gelado; ou a cena do êxodo de comboio de  Moscovo. São cenas que demonstram o enorme perfeccionismo que Lean punha ao serviço das suas obras. Como curiosidade, as cenas inicial e  final, foram filmadas na barragem de Adeadávila, entre portugal e espanha e, apesar de não aparecer nos créditos finais, a maior parte destas cenas foram filmadas do lado de Portugal  com vista para a margem espanhola.
Para ilustrar o filme em toda a sua beleza, grandeza, bons,e maus momentos, épicos, românticos, dramáticos, tensos, Lean chamou aquele que, depois do triunfo em “Lawrence da Arábia”, passou a ser o seu compositor de confiança até ao final da sua carreira cinematográfica: Maurice Jarre, cuja banda sonora para este filme, premiada com um Oscar da Academia, deixou uma marca indelével na cultura popular, “Lara’s Theme”, foi um enorme sucesso quando apareceu em disco, permanece ainda hoje como um dos mais famosos e belos temas na história do cinema e ajudou de certa maneira o filme a ganhar o estatuto de clássico que hoje detém.
 
As primeiras duas horas do filme serão talvez as melhores e também as mais pessoais. As personagens definem-se  aí. Entre todas as personagens que desfilam perante os nossos olhos, é a personagem de Victor Komarovski, interpretada por Rod Steiger, que mais nos fica presente. Victor Komarovski é um oportunista da pior espécie, um homem que quer estar bem com deus e com o diabo. Um verdadeiro canalha, que usa e abusa da sua posição. Primeiro vitimiza Amélia, a mãe de Lara, ao ponto de quase a levar á morte e depois a própria Lara. Jivago conhece-a nesta altura quando vai a casa dela para ajudar na recuperação de Amélia após a sua tentativa de morrer e vê-a, primeiro na sombra e depois á luz quando Komarovski lhe comunica que a mãe está bem. Mais tarde apaixonar-se-á por ela quando a vê entrar numa festa de natal e disparar sobre o seu antigo amante. Essa imagem será marcante no desenvolvimento da paixão que se tornará numa obsessão do poeta-médico, que a levará para o casamento com a sua doce e leal Tonya (Geraldine Chaplin). A melhor definição do carácter de Komarovski está no diálogo que este tem com Jivago logo após ser ferido por Lara. Jivago pergunta-lhe “O que é que acontece a uma rapariga quando um homem como você, termina tudo com ela?” a resposta é fria como a noite de inverno em que acontece o atentado “Interessado?  Eu ofereço-lha, Yuri Andreyevich, como prenda de casamento!”. Com esta interpretação, e nesta cena particular, Steiger tem um dos melhores desempenhos da sua carreira e que serviria para moldar a personagem do xerife racista de “No Calor da Noite” (Norman Jewison, 1967)  que lhe viria a dar o Oscar da Academia.
   
O filme termina, aparentemente, com a mesma nota de mistério com que começa: afinal a jovem Tonya é ou não filha de Jivago? O filme, talvez propositadamente, não o esclarece, mas a cena final, quando Tonya desce do gabinete, de mão dada com o noivo, traz ás costas uma balalaika. Yevgraf pergunta-lhe se ela sabe tocar o instrumento. O noivo responde que ela é uma artista. O militar sorri e responde “Ah, então é um dom!”, ponha o espectador na pista certa. O que nos é dito nesta cena é que o mistério em volta de Tonya pode estar resolvido, já que a mãe de Jivago era uma verdadeira artista com o instrumento ( e isso é-nos dito também logo no início do filme) e ela pode ser a tão procurada sobrinha do general. Mas eu prefiro pensar que a frase de Yevgraf é, na verdade, a definição de toda a obra do realizador David Lean.
   
Quando terminou a rodagem, 10 meses depois de a ter começado, Lean tinha cerca de 31 horas de filme que teriam que ser reduzidas, por imposição de Carlo Ponti  para uma duração de cerca de três horas e vinte minutos e que teria de estar pronto, para estreia e posterior entrada na corrida aos Oscares, até ao final de 1965.  Por entre avanços e recuos na sala de montagem, o filme acabou por chegar ás salas em 22 de dezembro de 1965.
Apesar do enorme êxito de bilheteira que obteve (cerca de 111.700.000 dólares), o filme foi recebido com incredulidade pela crítica especializada que acharam difícil que aquele realizador fosse o mesmo que fizera “Lawrence da Arábia” que nesta altura já era um clássico e considerado um dos melhores filmes de aventuras que alguma vez o cinema produzira.
   Vencedor de vários prémios, incluindo cinco Globos de Ouro ( é um dos poucos filmes a ter ganho em todas as categorias em que fora nomeado) e dez nomeações para os Oscares, incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador, acabou por ganhar apenas cinco, incluindo Melhor Fotografia e o já citado para a Melhor Banda Sonora.
“Doutor Jivago” é, ainda hoje, o oitavo maior êxito de bilheteira da história do cinema.

Em 2002, o livro de Boris Pasternak foi adaptado para televisão numa mini-série britânica com Keira Knightley e Sam Neil no elenco.





Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto fora retirados da internet

EMERSON, LAKE & PALMER II

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