O Tempo passa sem parar, como um rio que corre em direcção ao mar, dissipa-se nas brumas da Memória colectiva... É o Tempo que serve a memória ou é a memória que serve o Tempo?
O western, assim como o musical,
foram os géneros mais queridos do cinema. O western, inclusive, chegou a ser
"importado" para a europa, pela mão de Sergio Leone criando assim as
raízes de um sub-género intitulado "western spaghetti" que viria a
obter um considerável sucesso tanto na europa como nas terras do tio Sam.
"O Bom, o Mau e o Vilão" é a história de
três homens que procuram um tesouro que está enterrado algures num cemitério.
Cada um deles sabe uma parte da localização do tesouro, pelo que vão estar
dependentes uns dos outros para lá chegar. Sem olhar a meios para obter os
fins, os três vão tentar chegar ao local, onde os aguarda aquela recompensa,
através dum país devastado pela guerra civil.
A ideia do filme começou a tomar
forma, quando os executivos da United Artists se aproximaram de Luciano
Vincenzoni, argumentista do filme “Por Mais Alguns Dólares”, que acabara de
obter um sucesso inesperado em itália e convidaram-no a escrever outro argumento
para um projecto de um novo “Western Spaghetti”.Sem planos imediatos de
trabalho, Vincenzoni concordou desde que Alberto Grimaldi e Sergio Leone,
respectivamente, produtor e realizador do filme anterior fizessem parte deste
novo projecto. Quando os executivos da distribuidora concordaram, Vincenzoni
avançou com a ideia de três canalhas que procuravam um tesouro durante a Guerra
Civil Americana. Leone agarrou a ideia e, numa tentativa de mostrar o absurdo
da guerra, desenvolveu-a e transformou-a num argumento, com a ajuda de Sergio
Donati, com quem o realizador já trabalhara em “Por Mais Alguns Dólares”.
Realizado por
Sergio Leone, "O Bom o Mau e o Vilão" é, considerado pelo realizador,
o último filme da chamada "trilogia dos dólares", sendo os dois
primeiros "For a Few Dollars - Por um Punhado de Dólares" (1964) e
"For a Few Dollars More - Por Mais Alguns Dólares" (1965). Como a
acção de “O Bom O Mau e o Vilão” se passa durante a Guerra Civil Americana (ou
de Secessão), o filme pode, não só ser o final da trilogia como pode servir
também de prequela aos outros dois filmes, cuja acção decorre depois da Guerra
de Secessão.
Desde sempre, Leone
teve como sua marcaos grandes planos de
rostos e das armas antes e durante um
duelo, que lhe permitem encenar e misturar cenas de rostos extremos, grandes
planos épicos, com os diálogos reduzidos ao minímo, onde as mãos, quase em
câmara lenta, se dirigem para as armas nos coldres e também grandes sequências
sem um único diálogo. Tudo isto cria um ambiente de tensão e suspense que permite
ao espectador saborear os desempenhos de cada personagem e perceber as suas
reacções, mas também dá ao realizador a possibilidade de filmar belas
paisagens. Não é, portanto, de estranhar que o inicio deste filme seja
precisamente um grande plano de rostos de cowboys, das suas armas e de uma
cidade em ruínas e sem um único diálogo, antes do duelo onde nos será
apresentado o primeiro protagonista do trio central da história: a imagem,
depois do duelo, congela e surge o título da personagem no écran; é um achado
fabuloso de Leone e que funcionará da mesma maneira para as outras duas
personagens do filme. Só então é que o filme começa verdadeiramente.
Por ser considerado
o pai do sub-género western-spaghetti, Leone enche o écran de constantes
referências aos filmes americanos de John Ford a Howard Hawks e toda a
simbologia do velho oeste está presente na obra do realizador desde
"dólares" até "Aconteceu no Oeste" (1968).
Sergio Leone não
trouxe dos Estados Unidos só o saber como fazer, trouxe também mão-de-obra para
edificar o sub-género no velho continente. Com ele vieram Eli Wallach, no papel
de Tuco (o Vilão), um eterno secundário que já brilhara em outro western
chamado "Os Sete Magnifícos" (John Sturges, 1960) remake americano
dessa obra-prima do cinema chamada "Os Sete Samurais" (Akira
Kurosawa, 1954). Apesar de ser uma prestação ao seu nível, o actor quase que
rouba o protagonismo a Eastwood e a Van Cleef, tal é a forma como agarra a sua
personagem, da qual, ao longo do filme, ficamos a conhecer toda a sua história,
já que conhecemos o seu irmão, um padre de nome Pablo Ramirez, de onde veio e
porque se tornou bandido;
Lee Van Cleef, é “Angel Eyes” (o Mau), mercenário sem
escrúpulos, obsessivamente insano, termina sempre o trabalho para que foi
contratado (que habitualmente é encontrar pessoas e matá-las), o actor sempre
associado a papéis de vilão e que teve, com Leone, o momento mais alto da sua
longa carreira;
Clint Eastwood (o Bom), é o “Homenm sem Nome” (apesar de Tuco
lhe chamar “Lourinho”), um ténue mas convencido caçador de prémios que se vê
obrigado a formar alianças pouco convencionais nas necessárias para encontrar o
tesouro com Tuco e temporariamente com “Angel Eyes”. Eastwood, na altura um
obscuro actor que, ao ir para itália filmar com Leone a "trilogia dos
dólares", passou do relativo anonimato a estrela de cinema e
posteriormente num realizador afamado que viria a tornar-se uma referência
obrigatória no panorama do cinema mundial. Juntos, Leone e Eastwood, tornaram a
personagem de “O Homem sem Nome”, não apenas numa personagem qualquer, mas numa
personagem Maior do cinema – uma personagem que nunca teve que se explicar, uma
personagem, cuja presença era mais que suficiente para encher o écran.
Apesar
da relação tempestuosa entre ambos, Eastwood, que nunca mais voltaria a ser
dirigido por Leone (mesmo quando este lhe ofereceu o papel de “Harmónica” em “
Aconteceu no Oeste”, que o actor declinou e que seria dado a Charles Bronson ),
o actor aprendeu muito, com a obsessão de Leone em filmar cenas de diferentes
ângulos prestando atenção aos mais ínfimos pormenores, o que muitas vezes
esgotava os actores, durante as rodagens dos filmes da trilogia e, anos mais
tarde, acabaria por lhe dedicar “Unforgiven – Imperdoável” (1992), uma das suas
obras-primas.
Majestoso,
visualmente estilizado, "O Bom, o Mau e o Vilão", avança num
crescendo de acção e tiros desde a já referida sequência inicial até ao final
onde o filme atinge o seu climax: o duelo a três no cemitério onde Sergio
Leone, chamando a si todo o seu conhecimento, homenageia o Western, com a
excepcional banda sonora de Ennio Morricone, colaborador frequente em todos os
filmes de Leone, como pano de fundo, num misto de mito e realismo.
Leone, durante a
rodagem, gostava de tocar a banda sonora para manter os actores dentro do
espírito da cena e isso percebe-se perfeitamente em duas cenas importantes no
enredo: a primeira acontece no campo de prisioneiros Nortista de Batterville
onde os prisioneiros cantam e tocam o tema melancólico “La Storia Di Un
Soldato” (The Story of a Soldier) enquanto Tuco é torturado e espancado por
Angel Eyes; a segunda é quando os três protagonistas se enfrentam em Sad Hill, com
“L’estasi dell’Oro” (The Ecstasy of Gold), seguida por “Il Triello” (The Trio)
em fundo. A composição desta cena é absolutamente magnífica: uma fortuna em
ouro está enterrada numa das campas, três homens, cada um na expectativa de lhe
deitar a mão, enfrentam-se sabendo que, se um dispara, todos disparam e todos
morrem. A não ser que dois decidem abater o terceiro homem antes que ele
dispare sobre eles. Mas a dúvida está instalada: quais dois? E qual terceiro? E
permanece durante os vários minutos que Leone dedica aquele momento único no
filme: começa com um admirável longo plano que depois se converte em
“close-ups” de armas de fogo, rostos, olhos e suor num interminável exercício
de estilo e “suspense” com que o realizador brinda os espectadores.
“O Bom, o Mau e o
Vilão” estreou em Itália a 15 de dezembro de 1967 e rendeu cerca de 6.300.000
dólares , o que na altura foi considerado bastante. Nos estados unidos, a
trilogia dos dólares estreou em 1967, mas em diferente datas para poder
rentabilizar os filmes obtendo o maior sucesso possível.
A versão original
italiana tem a duração de 177 minutos, mas inicialmente,a versão internacional foi exibida com
diversas metragens que vão desde cerca de 148 minutos até 161 minutos. Sendo
que esta última é a mais conhecida e a que foi mais exibida desde a estreia do
filme. Em 2002, o filme foi restaurado e as cenas cortadas foram todas
re-inseridas no filme com os actores, Clint Eastwood e Eli Wallach a repetirem
as suas falas no material recuperado e Simon Prescott, um actor de dobragens, a
fazer a voz de Lee Van Cleef , o actor faleceu em 1989.
Filme ambicioso, comquase três horas de duração, onde nada parece
faltar e ainda haveria espaço para mais história, senão vejamos: temos o
tiroteio inicial que envolve personagens que pouco ou nada têm a ver com trama
inicial. Temos o jogo do condenado, no qual, Wallach faz de homem procurado e
Eastwood aparece para o entregar e depois, quando ele está para ser enforcado,
o mesmo Eastwood salva-o “in extremis” com um tiro bem disparado e ambos
recebem a recompensa. Depois vem a magnifica sequência do deserto em que
Eastwood abandona Wallach no deserto e, mais tarde, será Wallach a fazer o
mesmo a Eastwood e, quando o sol queima e receamos o fim de “Loirinho”, surge a
diligência numa corrida desenfreada, carregada de mortos e moribundos e a
história ganha um novo fôlego que culminará no inevitável, porém, magnifico e
majestoso duelo. Pelo meio, acontece a ambiciosa sequência da Guerra Civil
Americana onde, além da cena da tortura, acontece outro momento tocante do
filme: Clinton, um capitão do exército da União (nortista), que se torna amigo
de Tuco e Blondie e que alimenta o sonho de ver a ponte de Branston, local
estratégico que separa os dois exércitos, destruída, explica o seu alcoolismo
de uma maneira absolutamente simplista “O comandante que tiver mais bebida para
embebedar as suas tropas antes da batalha, é aquele que vence”. Mortalmente
ferido no combate que se segue, sua última fala, pouco antes de morrer, é “Podem
ajudar-me a viver um pouco mais? Eu espero boas notícias”.
“O Bom, o Mau e o
Vilão” foi, indiscutivelmente, a obra mais inovadora que o sub-género
western-spaghetti viria a conhecer. Muitas vezes referida, imitada, mas nunca
igualada, tendo sido até homenageada em
"No Country for Old Men - Este País não é para Velhos" (Joel e Ethan
Coen, 2007), que venceu 4 Óscares da Academia, incluindo o de Melhor Filme do
Ano e Melhor Realização, o original de Sergio Leone permanece como um filme
intemporal, obra-prima do género em que se insere
Em 1974, a seguir á tournée de promoção do álbum
“Selling England by the Pound” (1973), os Genesis, grupo britânico de Rock
Progressivo, juntaram-se para escrever e desenvolver o seu álbum seguinte que
queriam que fosse um álbum conceptual, de acordo com a moda que se instalara na
música desde o início da década de 70. Assim, reuniram-se em “Headley Grange”,
uma quinta nos arredores de Londres e que, segundo outros grupos musicais que
já a haviam utilizado anteriormente, era um local acolhedor para quem queria
compor música e escrever letras. O que o grupo não sabia é que, apesar de
vários contratempos, o álbum que dali iria resultar seria uma obra
incontornável na história da música, uma obra de Rock Progressivo que o tempo
se encarregaria de transformar numa obra-prima.
Devido a problemas pessoais e também a estar envolvido
em outros projectos fora do grupo (incluindo um possível filme com o realizador
William Friedkin que nunca chegou a ver a luz do dia), Gabriel, que
inicialmente se isolou do resto do grupo para poder escrever livremente as
letras das canções, esteve ausente durante grande parte do processo de criação
e dos ensaios, mas mesmo assim e apesar de grande parte da música ter sido escrita
pelos restantes membros do grupo, ainda regressou a tempo de participar na gravação
do álbum.
“The Lamb Lies Down on Broadway”, assim se chamou o álbum, conta história de Rael, um jovem
delinquente Porto-Riquenho que vive em Nova York. Numa manhã de um qualquer dia
normal, Rael, acabado de sair da estação de metro em Manhattan, depara-se com
um cordeiro deitado no passeio da Broadway e que tem um estranho e profundo
efeito nele. Enquanto continua a sua caminhada, vê vir do céu uma nuvem negra
que mais ninguém vê e que se transforma num écran de cinema, apanha tudo o que
lhe surge á frente. Rael tenta fugir, mas em vão, é apanhado e arrastado para
dentro do mesmo. Começa assim uma odisseia por um mundo estranho.
O álbum abre com “The
Lamb Lies Down on Broadway”, tema-título, ao som de um piano introdutório,
com a voz de Peter Gabriel e o verso “And the Lamb Lies Down on Broadway”, a
dar o mote para logo de seguida o resto do grupo juntar-se em harmonia,
formando imagem sonora descritiva de Manhattan a despertar para um qualquer dia
normal de trabalho e nela surge Rael, o nosso herói, a sair numaestação de metro, deparar-se com aquela
estranha visão do cordeiro deitado no passeio da Broadway e ser apanhado por uma
estranha nuvem vinda do céu, que parece devorar tudo á sua volta e assume a
forma de um écran cinematográfico. “Fly
on a Windshield” usa sons etéreos e acústicos para dar a impressão do vento
a arrastar tudo aquilo que encontra no caminho, incluindo um Rael que se
apercebe que não consegue fugir daquele écran devorador que, no entanto, parece
ser ignorado pela multidão. “The
Broadway Melody of 1974” exibe- imagens do dia e também de algumas vedetas
de Hollywood assim como da Broadway de ontem, que desfilam numa espécie de
parada por um Rael inconsciente, mas que vai ouvindo no seu subconsciente ecos
de vozes sem distinguir quem são. Com “Cuckoo
Cocoon”, Rael acorda e interroga-se sobre o local onde se encontra (é isso
que o verso “I wonder where the hell I am”, nos diz) e esta interrogação é também transmitida ao
ouvinte que está tão (ou, se calhar, mais) intrigado como ele. Apercebe-se,
enquanto avança, que se encontra numa gruta que se vai modificando a cada sua
movimentação. O poderoso “riff” de baixo que introduz “In the Cage”, seguido de um subtil som de teclas e de um toque
suave de pratos na bateria acompanhados pela voz ansiosa de Gabriel, mostra-nos
um Rael, a descrever aquilo que o rodeia e que, de repente, se vê aprisionado
numa espécie de jaula formada por estalactites e estalagmites que se deslocam
na sua direcção. Enquanto tenta escapar, Rael vê o seu irmão, John, do lado de
fora, pede-lhe para o ajudar mas ele afasta-se e, ao mesmo tempo, a jaula
desaparece e Rael começa a cair numa série de voltas e voltas que parecem não
ter fim e, quando finalmente pára, encontra-se no chão duma fábrica.
Com “The Grand
Parade of Lifeless Packaging”, Rael é levado, por uma mulher, numa visita
ás instalações fabris e onde vê pessoas no chão numa longa linha de produção a
serem processadas e acondicionadas como se fossem embalagens e depois
devolvidas á vida. Pouco depois, no mesmo local, encontra novamente o seu irmão
John, imóvel e com um nº9 estampado na testa e, uma vez mais, não fala. Depara-se
igualmente com membros do seu antigo gang e, temendo, pela sua vida, foge da
fábrica.
Rael, depois de sair, vai deparar-se com a visão da
Nova York da sua juventude. “Back in
NYC” relembra a sua vida quando ainda era um jovem membro de um gang, o seu
regresso de um assalto aos 17 anos de idade e quando a cidade era apenas para
os mais fortes e aptos. É um longo “flashback” de memórias que ele vê desfilar
á sua frente: “Hairless Heart”, um
lindíssimo instrumental (das melhores peças que alguma vez o grupo compôs),
mostra o sonho em que Rael vê o seu coração peludo ser removido e escanhoado
com uma lâmina de barbear (esta minha interpretação pode ser entendida de
maneira diferente...); “Counting Out
Time” fala-nos da altura em que ele comprou e decorou um livro sobre
encontros sexuais (“And I have studied every line, every page in the book”), do
seu primeiro encontro com uma rapariga á qual tenta ministrar prazer mas falha
redondamente por ter tudo numericamente organizado (“Touch and go with 1-6”,
Bit of trouble in zone nº7”, “There’s heaven ahead in nº11!”).
“Carpet
Crawlers”
começa quando o desfile de memórias termina e Rael encontra-se novamente
sozinho e tem á sua frente um longo corredor alcatifado, cheio de gente que
tenta alcançar a porta que está ao fundo. Mais rápido que todos, ele alcança a
porta, abre-a e vai-se encontrar numa longa escadaria que termina numa enorme câmara
com 32 portas e assim chegamos a “The
Chamber of 32 Doors” onde um Rael, cercado de diversa gente, incapaz de se
concentrar e decidir qual a porta que deve escolher, pois apenas uma leva á
saída, todas as outras conduzem novamente aquele local, encontra uma mulher que
deseja conduzi-lo para fora da câmara.
“Lilywhite
Lilith”
apresenta-nos a mulher que ajuda Rael a sair pela porta certa para um outro
aposento subterrâneo e grande onde o deixa sozinho. Medo e pânico é o que se
pode deduzir do estranho e aterrorizante “The
Waiting Room”, um tema instrumental que nos revela o que Rael sentiu
naquele aposento onde foi deixado, no meio da escuridão e como única companhia
um zumbido crescente e dois globos dourados iluminados que flutuam no ar
encaminhando-se para ele. Rael destrói ambos os globos, mas provoca uma
derrocada de rochas que o deixa preso e tudo parece indicar que acabou por
selar o seu destino ao ver-se numa situação da qual não consegue sair.
“Anyway” começa com um piano
insinuante (quase um eco distante do início de “The Lamb Lies Down on
Broadway”) e Rael conta aquilo que está a sentir, sente a morte a aproximar-se
(“Anyway, they say she comes on a pale horse”), como gostaria de morrer e, num
tom quase sarcástico goza com a sua própria situação ( “How wonderful to be so
profound, when everything you are is dying underground”). Mas, rapidamente,
Rael percebe que a sua hora ainda não chegou, pois uma visita inesperada,
deixa-o surpreso: a Morte vem visitá-lo e ajudá-lo a sair daquela situação, é o
que acontece em “The Supernatural
Anaesthetist”, outro tema instrumental, no qual, Rael, após ser liberto por
aquele convidado indesejável, segue o seu caminho, metendo novamente por um corredor
iluminado por candelabros e, desta vez, é o seu nariz que lhe dá a direcção a
seguir pois uma fragância doce entra-lhe pelas narinas e, a cada passo, a
intensidade do cheiro aumenta e Rael acaba por ir ter uma grande câmara onde
uma piscina cuja água é em tons rosados e uma fina camada de neblina paira
sobre ela.
Em “The Lamia”,
a única canção romântica do álbum, acontece a descrição daquilo que Rael vê
perante os seus olhos. Despe-se das roupas rasgadas e entra na piscina com o
intuito de se refrescar pensando que está sozinho, mas rapidamente percebe que
tal não é verdade quando se depara com três “Lamias”, uma espécie de criaturas
parecidas com cobras, mas com rostos de belas mulheres. Rael, espantado com
aquelas beldades, deixa-se envolver e acaba seduzido por elas. Mal as “Lamias”
provam o seu sangue, morrem, a água da piscina muda de cor para um azul gelado.
“Silent Sorrow in Empty Boats”,
mostra-nos um Rael, consternado com as mortes que provocou e que, esfomeado,
alimenta-se da carne das “Lamias” e, ao som de coros sintetizados, abandona
aquele local prosseguindo a sua viagem através de outra passagem.
“The Colony of
Slippermen”
é um tema dividido em três segmentos que acompanham a transformação de Rael. O
primeiro segmento, “The Arrival” mostra
a sua chegada a uma colónia de “Slippermen”, uma espécie de seres humanos
grotescamente deformados pela experiência que tiveram com as “Lamias” e que lhe
dizem que também ele se transformou num deles (“Don’t be alarmed at what you
see, You yourself are just the same as wha you see in me”), Rael não acredita
no que lhe dizem (“Me, like you? Like that!”) , mas, ao ver o seu irmão John
entre os “Slippermen” e depois dele lhe confirmar a realidade, ele aceita e
fica também a saber que a única maneira de voltar a ser humano é ir visitar o
Doutor Dyper e submeter-se a uma castração, o que acontece no segundo segmento
do tema “A Visit to the Doktor” em
que ambos se submetem á operação ( Don’t delay, dock the dick!”) e guardam os
seus órgãos num recipiente que penduram á volta do pescoço (“he places the
number into a tube, it’s a yellow plastic “shoobedoobe””) e continuam ambos
pelo mesmo túnel á procura duma saída. Chegamos ao terceiro segmento “The Raven” onde os dois irmãos são
atacados por um enorme corvo negro que rouba o recipiente de Rael, que o
persegue e que John, com medo, se recusa a seguir (“Where the raven flies
there’s jeopardy”) e vai-se embora deixando Rael sózinho.Este persegue o corvo e só tem tempo de
verque este, de repente, atira o
recipiente por uma ravina abaixo que vai dar a um rio subterrâneo.
Em “Ravine”, Rael , de pé, numa espécie de
plataforma e com medo de saltar paradentro
da água agitada do rio que passa lá por baixo, decide descer a ravina até
chegar lá. Enquanto faz a perigosa descida, Rael relembra os seus dias em Nova
York e, num “flashback” momentâneo, regressa aos sons que lhe eram familiares e
queridos, ao som de “The Light Dies Down
on Broadway”, regressa ao ano passado,aquele que era o seumundo e
também á beleza dos temas“The Lamia” e
”The Lamb Lies Down on Broadway” (se quisermos, o “Upper World” do ínicio do
álbum) e imagina que o seu pesadelo (ou sonho?) está perto de chegar ao fim
quando vê uma espécie de janela que lhe surge sobre a cabeça, que se abre e o
convida a sair por ela (“Is this the way out from this endless scene? or
justan entrance to another dream?”).
Mas de súbito, o seu “flashback” é interrompido por um
grito que vem do fundo. Rael vê John dentro de água a tentar manter-se á
tona.Em “Riding the Scree”, Rael tem que fazer a escolha mais difícil da
sua vida: Passa pela janela que entretanto se começa a fechar regressando assim
á sua vida normal ou salva o seu irmão, apesar deste já o ter abandonado á sua
sorte por duas vezes?Rael escolhe
salvar John e, enchendo-se de coragem, salta sem rodeios para dentro de água.
Com “In the Rapids”, Raelesforça-se, numa luta titânica contra a força
da água, salvar o irmão e também a si próprio. Apelando para todas as sua
forças, elel consegue, no último momento,tirar John da água e arrastá-lo para terra. Quando Rael olha para o seu
rosto para lhe captar sinais de vida, vê-sea si próprio! (“Something’s changed, that’s not your face, it’s
mine!”).É com “It” quese explica aquilo que realmente aconteceu: a
sua consciência(espírito?) vagueia entre
os corpos e ele vê o cenário envolvente dissolver-se numa espécie de neblina
enquanto ambos os corpos se dissolvem assim como o espírito de Rael se torna
uno com aquilo que o rodeia. “It” providencia muitas respostas e abre inúmeras
possibilidades que vão sendo apresentadas ao longo de toda a narrativa, mas, no
fim, nenhuma édefinitiva. Peter Gabriel
sumariza a história de um modo simplista: é com cada um de nós!.
Os Genesis no Palácio da Pena, em Sintra
“The Lamb Lies
Down on Broadway” foi editado a 18 de novembro de 1974. A 20 do mesmo mês, os
“Genesis” davam início a uma tournée que os levaria á América do Norte e á
Europa (Portugal, incluído, onde deram dois concertos nos dias 6 e 7 de março
de 1975, no velhinho Dramático de Cascais), num total de 102 concertos onde
tocaram o álbum integralmente. A tournée terminou a 22 de maio de 1975. Em
agosto, Peter Gabriel, que já anunciara a sua vontade de sair, depois de
terminada a tournée, abandona o grupo.
Recebido inicialmente com um misto de perplexidade e
devoção, e até algum desinteresse por parte de alguma crítica que, depois de
“Selling England by the Pound”, esperava outro algum do género e não um
“Concept Album” que muitos consideraram incompreensível, “The Lamb Lies Down on
Broadway”, conseguiu dividir também os fans da banda, mas nunca perdeu a
importância que ganhou dentro da discografia do grupo nem o estatuto que ganhou
na música. Década após década o álbum continuou a manter-se entre os dez
melhores álbuns da história do rock e nos cinco primeiros lugares dos melhores
do Rock Progressivo.
Já neste século, em dezembro de 2001, foi considerado o quarto Melhor álbum da
história da música e em 2012, os leitores da “Rolling Stone”, consideraram-no o
quinto Melhor álbum de Rock Progressivo de todos os tempos.
Um dos grandes
truques do cinema sempre foi contar histórias simples e apelativas garantindo
sempre bons resultados junto do público e também junto de alguma crítica. Foi o
que se passou com este "Carteiro de Pablo Neruda".
Mário vive numa ilha em Itália na década de 50
do século passado, é filho de um pescador mas não se consegue adaptar aquela
vida. Graças a saber ler e escrever, ele consegue um emprego como carteiro
encarregado de levar a correspondência ao poeta chileno Pablo Neruda que se
encontra exilado naquela ilha. Com o passar do tempo os dois tornam-se amigos e
Mário pede ao poeta que o ajude a conquistar a rapariga que ele ama.
O filme é baseado
no livro “Ardiente Paciencia”, escrito por Antonio Skármeta, em 1983, com
argumento da autoria de Anna Pavignamo, Michael Radford, Furio Scarpelli,
Giacomo Scarpelli e Massimo Troisi e situa a acção na década de 50, enquanto o
livro e o filme homónimo, que o próprio Skármeta realizara em 1985, a situava
em 1970, no Chile, na Ilha Negra, onde Pablo Neruda vivia.
O primeiro
vislumbre que temos de Mario, numa cena em que ele conversa com o pai, ficamos
com a ideia de que ele deve ser deficiente mental, assim como o pai que também
nos deixa essa ideia, tal é a conversa entre ambos que não leva a lugar nenhum.
Mas logo depois, noutra cena adiante, quando Mario discute com o encarregado do
posto de correios da ilha acerca do poeta, antes de aceitar o lugar de carteiro
de Pablo Neruda, percebemos que ambos têm poucos conhecimentos sobre poesia e que afinal ele é uma pessoa normal, que foi
criado numa ilha cuja única ocupação dos
seus habitantes é a pesca e onde não
existe nada de importante que se possa falar. Mas tudo isso está para mudar com
a chegada de Pablo Neruda, o poeta chileno que veio para o exílio e torna-se
uma atracção na ilha, os ílhéus, apesar de não saberem nada de poesia,têm alguém a quem não negam nada, Neruda,
apesar de estar exilado,encontra a paz
que não tem no seu Chile natal e Mario,
finalmente, encontra alguém que lhe ensine como falar com raparigas, e que
existe algo mais do que a vida naquela ilha tranquila, de gente simples onde as
mudanças e as ideia novas tardam a chegar, se é que alguma vez chegarão.
A relação entre ambos
cresce lentamente. O poeta é um homem calmo, que vive com uma mulher (não
chegamos a saber se é a sua esposa ou não), Mario percebe que eles estão
apaixonados, então, fascinado pela personalidade do poeta aliada á sua fama e a
avultada correspondência que recebe, principalmente de mulheres, ele utiliza
todos os meios ao seu alcance para ganhar a amizade de Neruda, incluindo o
conseguir arranjar um livro de poemas dele e pedir-lhe que o autografe, o que o
poeta faz, indiferentemente, escrevendo “com amizade, Pablo Neruda” (como se
fosse mais um dos seus leitores), o que deixa o pobre carteiro abatido, pois o
autógrafo não está nem sequer personalizado! Como é que Mario poderá alguma vez
impressionar as mulheres (principalmente Beatrice Russo, a jovem por quem ele
está apaixonado, interpretada pela belíssima ex-modelo e actriz Maria Grazia
Cucinotta), se o seu autógrafo não for personalizado?! O carteiro procura a
ajuda de Neruda para que este lhe ensine palavras para poder escrever um poema
para a sua amada Beatrice, para poder comunicar melhor com ela (e ultrapassar a
sua timidez).
Maria Grazia Cucinotta
Há ainda uma cena que também é marcante, nomeadamente no que diz
respeito a Mario; alguns meses depois de o poeta ter deixado o seu exílio
naquela ilha mediterrânea, o carteiro recebe um recorte dum jornal onde Neruda
fala da vida de solidão que manteve entre as gentes simples do mundo. O rosto
de Mario contrai-se ao ler aquelas palavras do seu ídolo e essa contracção é
suficiente para mostrar que ele já não é tão “simples” quanto o poeta diz. São
estas pequenas cenas que fazem os filmes grandes!
Realizado por Michael Radford, que já nos dera
o profético "Nineteen Eighty-Four - 1984" (1984) com John Hurt e
Richard Burton no seu derradeiro papel no cinema ou o "The Merchant of Venice
- O Mercador de Veneza" (2004) com Al Pacino e Jeremy Irons, que constitui
uma das melhores adaptações de Shakespeare ao grande écran, que consegue com "O Carteiro de Pablo Neruda" fazer
um filme simples, misto de comédia e
romance, digno de alguns clássicos na melhor tradição do cinema italiano. Tudo
graças a uma realização competente que tira o melhor partido dos locais de
filmagem e também do trabalho dos actores.
Massimo Troisi & Philippe Noiret
Philippe Noiret tem aqui, a par de “La Grande
Bouffe – A Grande Farra” (Marco Ferreri, 1973), oudo fabuloso“Nuovo Cinema Paradiso – Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore, 1988), um
dos melhores trabalhos da sua longa carreira. O seu Pablo Neruda é perfeito
graças à semelhança do actor com o verdadeiro poeta. Massimo Troisi teve aqui o
papel da sua vida. Aliás, segundo o próprio realizador, a dedicação do actor ao
filme foi total, nem mesmo o problema de saúde que o afectava o impedia de
trabalhar (Troisiadiou uma operação ao
coração, para poder completar a sua participação no filme) . Infelizmente, não
viveu o suficiente para ver o resultado do seu esforço, pois faleceu
exactamente 12 horas depois do fim das filmagens, de paragem cardíaca. Ficou a
interpretação inesquecível.
Juntos, os dois
actores conseguem transformar a simplicidade intencional do filme numa
verdadeira meditação sobre o destino, tacto, diplomacia e poesia. Pode até
dizer-se que, se as circunstâncias fossem um bocadinho diferentes, Mario
poderia ser ele mesmo o poeta, Neruda o carteiro, apesar desta ser uma ideia que
ocorra mais facilmente a Mario.
"O Carteiro de Pablo Neruda" foi um
grande sucesso de bilheteira a nivel mundial. Vencedor de inúmeros prémios e nomeado
para cinco Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor
Realizador, mas venceu apenas na categoria de Melhor Banda Sonora.
É um filme sobre a amizade, sobre como é que
duas pessoas de mundos completamente diferentes se relacionam e como é que esse
relacionamento muda as suas vidas radicalmente. Poder-se-ia dizer que a relação
de amizade entre o poeta e o seu carteiro, um simples homem de poucos
conhecimentos, poderia ter sido mais desenvolvida e aprofundada, mas a beleza
do filme reside precisamente na sua calma e pacatez.
Nota: as imagens que vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet.